24 junho, 2010

A chave

Não dá pra dizer que começamos a namorar. Mas já está tudo encaminhado para isso. Hoje à noite vamos sair. Marcamos de ir ao cinema. Ela mora próximo ao shopping, então não há necessidade de ir buscá-la. Até mesmo por que ia ficar feio eu aparecer na casa dela a pé para sairmos.

É sábado, fim de tarde. Essa hora não passa. É mais fácil amanhecer o domingo do que anoitecer esse sábado.
Banho tomado, barba feita. Hora de escolher a roupa. Tenho que caprichar na vestimenta. Não sou um primor de beleza então não posso fazer feio na beca.

Meu pai me pergunta. Vai sair?
Respondo. Sim, pai. Vou ao cinema.
Sozinho? Com os amigos? Ele questiona.
Não, pai. Vou sair com uma menina. Uma amiga minha.
Ele nada fala. Volta para a sala e continua a assistir a TV.

Eu no quarto. Já devidamente vestido e perfumado começo a amarrar o cadarço do tênis. Tarefa simples não fosse o meu problema com nós. Ainda mais eles sendo pequenos.
Sentado na cama, vejo os pés do meu pai vindo em minha direção.
Ele diz: Toma.
Pensei que fosse dinheiro. Eu trabalho, tenho minha grana. Não ia precisar da grana dele, não dessa vez.

Ao levantar a cabeça mal posso acreditar no que vejo em suas mãos.
Por alguns segundos o mundo parecia estar em câmera lenta.
Da mão dele refletia uma luz muito forte, quase me cegando. Não podia ver o que ele segurava. Aos meus ouvidos o cântico do mais belo coral de vozes. Um som maravilhoso. Pareciam anjos anunciando a chegada do salvador. Esse momento deve ter durado uns dois segundos, mas foram os mais longos da minha vida.
Do mesmo modo que a luz e as vozes vieram, elas se foram.

Ainda congelado. Estático. Parecia ter morrido ali. A luz refletiu sobre o objeto nas mãos de meu pai e me despertou de meu êxtase.

Era a chave do carro.

Não podia acreditar naquilo.
Havia batido o carro já duas vezes. Meu pai sempre escondia a chave para que eu não pudesse sair. Mas naquela noite, era ele que me oferecia o automóvel. A responsabilidade era dele. E partiu de livre e espontânea vontade. Não podia acreditar.
Ele disse com uma voz bem forte: Toma cuidado!

É claro que tomaria. Mais dele do que me mim.
Peguei a chave. Uma energia jamais sentida me dominou entrando pelas minhas mãos, subindo pelos meus braços. Uma força que nunca havia sentido começou a tomar conta de mim. Invadindo todos meus órgãos e sentidos. Do nada explodiu dentro de mim. E ao me levantar pude ouvir ao fundo uma voz gritar: I got the Power!!!

Parecia outra pessoa. Não era mais um moleque. Senti até alguns órgãos ganhando um volume jamais visto. Seria esse o momento em que se separam homens de meninos?
Saí de casa. Mas antes de ir até o carro agradeci meu pai dizendo que não iria decepcionar.
Fim da sessão. Tarde da noite. Ela se despede sem saber da minha novidade. Ofereço-me para levá-la em casa. Ela no começo parecia não acreditar, então caminhamos até o carro.

Já na porta de sua casa começamos a nos despedir. Um beijo não seria uma má idéia. Apesar de estar mais preocupado com o lugar onde estacionei não conseguia tirar os olhos dela. Abracei. Beijei. E o que era para ser um beijo de despedida se transformou em vários, um seguido do outro. Já estava por avançar o sinal quando me lembrei dos conselhos do meu pai sobre transito. Freei. Ele sempre me disse que devagar sempre se chega e você ainda aproveita mais a viagem.

Eu nunca dirigi com tanto gosto no retorno para casa.

Eu nunca vou me esquecer desse dia. Valeu Pai. No dia dos namorados o presente é seu.

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